Uma quase história de amor

Devaneios literários

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Capítulo I – Turbulência

 

Ela tinha 24 anos, era uma mulher bem resolvida, tinha um bom emprego, um apartamento, um sorriso largo, uma capacidade incrível de transformar tudo em algo melhor e sabia exatamente o que queria da vida: ele! Ele era apenas um ano mais velho, morava com a família, não tinha certeza de quem ele queria, apenas do que ele queria: uma carreira sólida, ascendente, ser um profissional de destaque.

Eles se conheceram por acaso. Cada um estava envolvido em outro relacionamento, mas não havia como negar a atração que sentiam e o clima gostoso que um proporcionava ao outro. Formavam um belo par. Ela o apoiava, ela a envolvia. Cássio e Helena eram o tipo de casal que tinha tudo para dar certo. Ela era fascinada por ele e fazia o que podia para estar sempre junto. Ele também se esforçava e procurava passar ótimos momentos com ela.

Os sonhos de ambos, no entanto, eram conflitantes e a insegurança diante do que cada um sentia ia cada vez mais os afastando. Como o descompasso era grande, é claro que a história não tinha como prosseguir. A curta quase história de amor de Helena e Cássio foi bonita, mas unilateral. Ele seguiu sua vida e quase não lembrava mais dela. Ela também seguiu a vida, mas nunca o esqueceu.

Reencontraram-se casualmente dois anos depois. Ela estava casada e ele continuava solteiro. Trocaram algumas palavras, relembraram bons momentos e partiram cada um para seu lado, sem mais envolvimento, sem dores e sem compromissos. Desde então, nunca mais se viram ou se falaram. Ele permanecia na lembrança de Helena como alguém muito especial. Ela costumava apelidá-lo, para si mesma, de “seu único grande amor”. A memória daquele doce jovem moreno era permanente ao longo dos anos.

Helena casou, teve dois filhos, e a lembrança continuava, ali, bem no fundo, o que, no entanto, não a impedia de ser feliz, muito menos de amar seu marido e viver uma harmoniosa vida em família. O casamento de Helena estava longe de ser o que ela sonhou. Mas este era seu grande problema: sempre sonhou demais! Ela esperava que a vida fosse como um conto de fadas, que amores fossem ardentes, que a paixão imperasse e que “felizes para sempre” não fosse apenas uma frase para terminar as fábulas.

Quanto mais livros e filmes lia e assistia, mais vivia no mundo dos sonhos, à espera que seu casamento se transformasse em um conto de fadas ou que virasse uma esquina e seu príncipe encantado aparecesse.

E um dia, de fato, ele apareceu.

Num momento em que havia desistido de transformar o casamento em um paraíso ela deixou as portas de seu coração abertas para esperar um novo amor, que iria suprir suas carências, realizar seus sonhos, fazer com que sua vida parecesse com aqueles filmes que ela tanto gostava. E eis que diante dela estava o tão aspirado príncipe encantado, mas não era um novo amor e sim um antigo, ou melhor, seu único grande amor. Cássio estava ali, na sua frente, depois de 15 anos.  A pele morena, o queixo marcado pela covinha que tanto a seduzia, a voz mansa e o sorriso contido.

Mais uma vez o acaso os colocou frente a frente.  A modernidade, com seus mecanismos virtuais, facilitou o encontro. Ela fazia uma pesquisa de trabalho e se deparou com o nome dele em uma listagem. Destino? Ela resolveu ligar. Trocaram telefone, trocaram mensagens e depois de alguns dias estavam frente a frente, tomando um café. Um encontro que já começou agitado, com corações disparados, grandes expectativas, e que acabou da maneira que ela sempre quis: com o calor dos seus braços envolvendo-a, provocando a sensação da qual ela nunca queria ter se separado, a sensação de que ela estava exatamente onde deveria estar a vida inteira, junto dele.

A forte atração fez com que Helena se sentisse como se tivesse novamente 24 anos. Reviver as mesmas emoções, sentir o calor daquele corpo tão querido, ouvir aquela voz tão doce e tão familiar foi como embarcar numa viagem sem volta. Cássio estava mais maduro, mais forte, mais determinado e ela ficou totalmente vulnerável. Neste dia, começou uma nova história de amor. Para ela. Só para ela.

Depois da dor de uma separação recente, de ter acabado um casamento onde a amizade e o respeito imperavam, mas no qual o amor já não dava as caras há muito tempo, a esperança de uma nova vida renascia.

Promessas de encontros, mensagens de amor, tentativa de nunca mais perder o contato contrastavam com a distância que os separava e com as prioridades de cada um.

Mesmo diante de tantas incertezas, diante da insegurança de estar se entregando para alguém que não estava pronto a valorizá-la, um segundo encontro aconteceu. Não repetiu, no entanto,o calor do primeiro. Foi interessante. Foi alentador. Voltar para os braços dele sempre provocava nela a estranha sensação de finalmente estar em casa. Ali era seu lugar. Mas havia algo que Helena não conseguia definir, um vazio, uma incógnita. Enquanto estavam juntos havia uma química que era impossível negar, mas quando se afastavam e cada um retomava sua vida o precipício entre os objetivos de cada um deles era claro: Cássio sempre às voltas com sua carreira. Helena sempre com a mente povoada de sonhos.

O segundo encontro, que deveria ser uma espécie de “lua de mel”, conforme Cássio havia prometido, não passou de uma única tarde juntos e muitas justificativas e cobranças nos dias que se seguiram. Despediram-se sem sequer se falarem pessoalmente, mas Cássio demonstrava uma sinceridade envolvente quando pedia uma segunda chance para ter mais tempo para amá-la. Aquele toque de sinceridade na sua voz, as palavras meigas fizeram com que Helena esquecesse suas frustrações, esquecesse a decepção de ter ficado tão vulnerável, tão disponível, e novos sonhos começaram a se projetar. “Da próxima vez vai ser bem diferente”, ele prometia. “Da próxima vez vai ser diferente”, ela acreditava.

Cada um voltou para a sua vida, mas com um reencontro já com data marcada. Foi um tempo de espera para ela. A saudade era tanta que Helena estava até distraída no trabalho.  Exagerava na entrega. Logo ela, uma mulher sempre tão segura, tão decidida, como uma autoestima tão sólida se via, de repente, uma adolescente à espera do encontro. Helena estava completamente apaixonada. Desnudou-se de corpo e alma. Fragilizou-se e mostrou o quanto estava entregue àquela paixão. Assim era Helena, sempre verdadeira, sempre intensa.

Superar a distância era um desafio. Helena morava no Rio, mas estava pensando em se mudar para sua terra natal, a montanhosa Belo Horizonte. Cássio, por sua vez, morava em Porto Alegre e não tinha qualquer pretensão de mudar. Algumas mensagens agradáveis, outras amorosas, outras libidinosas mantinham a relação aquecida, mas o sentimento de que ela sempre estava mais envolvida foi trazendo mais e mais frustração. Com a frustração foi inevitável começarem as cobranças e, é claro, Cássio não gostou de ser cobrado, afinal de contas era um homem muito ocupado. Tinha muita responsabilidade. A frustração foi aumentando, mas o desejo de vê-lo novamente, de estar em seus braços, era ainda maior.

Antes mesmo que o encontro acontecesse, entretanto, começaram as brigas. Se ele não tinha tempo para ela, era o que Helena se perguntava, porque não colocava um ponto final nesta estranha relação? O que exatamente ele queria? Esta foi a pergunta que ela um dia lhe fez e causou  uma das várias brigas que tiveram. Ele afirmava que a queria, mas que não tinha o tempo que ela queria. O descompasso entre os dois se tornava cada vez mais evidente. Os momentos de carinho, os telefonemas recheados de palavras de amor  foram ficando cada vez mais raros e Helena sentia que devia acabar com esta relação que não a deixava plena.

Dividida entre a sensação de não significar nada para ele e a vontade de vê-lo, ela manteve o encontro. Ele afirmava que estava com muita saudade e reforçava o quanto queria vê-la. Chegou a dizer que a amava, o que mais do que satisfazê-la, a assustou. Que amor estranho era aquele? Será que Helena é que não sabia dosar seu amor por ele? Havia certo e errado naquela história ou seriam apenas duas pessoas que tinham vidas completamente diferentes, sonhos mais distintos ainda e prioridades que estavam longe de serem as mesmas? Afinal de contas eram os mesmos motivos que os separaram há mais de 15 anos… Prioridades. Escolhas. Ele sempre tinhas as suas. Ela era mais maleável, abrindo sempre um espaço em sua vida para que ele pudesse entrar.

O encontro chegou. Marcaram em São Paulo, uma cidade que não seduzia Helena, mas que Cássio adorava e que estrategicamente era interessante por ficar no meio do caminho. Depois de tanta espera o que Helena queria era apenas uma noite de amor ardente, seguida de dias de abraços, beijos apaixonados, muito carinho e sorrisos frequentes, mesmo que Cássio tivesse aquele sorriso que nunca era tão grande quanto ela queria. Ele era assim mesmo, comedido, reservado, concentrado, às vezes chegava mesmo a ser tenso. Mas era justamente esta dualidade que a atraía. A mistura de doçura e masculinidade de Cássio a fascinava. E o esperado dia era a oportunidade de provar esta mistura!

O abraço apertado de meses de afastamento, o beijo apaixonado, os arroubos, o calor, a paixão, o arrebatamento, nada disto, no entanto, ocorreu. Uma discussão sobre o tempo escasso dele e a vontade dela de estar junto colaborou para um péssimo clima e, pela primeira vez, Helena começou a desanimar. Foi neste momento que ela começou a, finalmente, ver tudo com mais clareza. Ver a proporção do envolvimento de cada um deles e os sacrifícios que cada um fazia em nome destes raros encontros. Por que esta quase história de amor estava deixando-a mais triste do que realizada?

As perguntas eram tantas e a cabeça de Helena se tornava um turbilhão de dúvidas enquanto olhava para aquele rosto tão querido, que ostentava um semblante tão pesado. Não, ele não era, de fato, um príncipe encantado. Na verdade, ela nem sabia mais se o tal príncipe existia. Enquanto se desmoronava diante da nova percepção de que ele estava longe de ser o que ela tanto esperava, eles foram jantar e a situação, aos poucos, foi se amenizando, a sintonia voltando, mas as incertezas crescendo.

Depois do jantar, o momento esperado. Helena tinha visualizado aquela cena mais de mil vezes: ele entraria no quarto, a tomaria nos braços sem sequer dizer uma palavra e as diferenças entre eles seriam superadas definitivamente. Mais decepção. Ele continuava tenso, como se estivesse chegando de uma cansativa viagem. Como se estar com ela não fosse um momento tão prazeroso, tão relaxante. Era isto! Ela teve um start: ele está sempre parecendo que chegou de uma viagem cansativa. A falta de sorriso e a sobrancelha cerrada eram indícios que a carga que estava levando era maior do que poderia suportar. Ele não era, nem de longe, aquele mar de mansidão, aquele estudante dócil que Helena um dia conheceu. E, acima de tudo, ele não tinha culpa nenhuma de não ser o que ela esperava. Era um homem sem doses de bom humor, que não passeava pela vida e só pensava na dedicação extrema ao trabalho. Era um homem de raros sorrisos. Era o que ele era e não quem ela queria que ele fosse. Simples assim. Mas por mais que tentasse não colocá-lo no centro do seu mundo, ela não conseguia. “O que será que vi nele?”, se perguntava, embora já tivesse a resposta: “Tudo o que não vi em mais ninguém nesta vida”. Mas como podia um sentimento tão ambíguo ser tão forte?

Helena percebeu, aos poucos, que ele era a antítese do que ela queria. Ela sonhava com alguém leve, que compartilhasse mais do que uma noite ardente de sexo e amor, que compartilhasse pipocas, abraços e sorrisos. Mesmo que num tempo limitado, mas no conhecido conceito “qualidade é melhor do que quantidade”. Ela esperava um homem que a abraçasse, que a envolvesse e mesmo que não tivesse o menor interesse em compartilhar uma vida com ela, tivesse interesse em mantê-la sempre próxima. Alguém que de fato se importasse com ela. Alguém que a surpreendesse, que se desdobrasse para estar com ela. Que fizesse loucuras só para aproveitar o parco tempo que tinham juntos. Ele nunca seria este homem.

A noite de amor aconteceu e trouxe mais incertezas porque tudo o que ela não gostava nele era esquecido à medida que sentia o seu toque. Mesmo sonolento ele era carinhoso. Mesmo cansado ele estava presente e a abraçava com tamanha intimidade que parecia que haviam passado uma vida inteira juntos.

A manhã seguinte, no entanto, trouxe não só a luz do dia, mas a dica de que Helena nunca teria Cássio da maneira que queria. O engenheiro solitário, que nunca mais teve um relacionamento sério depois que acabou seu casamento, há vários anos, parecia escolher uma vida onde seu único amor era sua profissão. Ele nunca seria seu e a disputa, neste caso, não era com outra mulher, era com as escolhas que ele havia feito para a vida dele. E era muito claro que ela não fazia parte destas escolhas. Não representava nada para ele. Quem sabe boas horas de sexo ou uma viagem ao passado. Só. A história, portanto, continuava unilateral e Helena se esforçava para não ver. Ele foi embora com a promessa de ligar para combinarem um novo encontro, mas no fundo ela sabia que dificilmente isto iria acontecer.

As desculpas de sempre, a cobrança de sempre e o inevitável: a separação definitiva. O mais dolorido é que mesmo sabendo que Cássio nunca poderia dar a Helena o que ela mais queria, que era parte de seu tempo, ele não a deixava partir. Isto a intrigava profundamente e a fazia sofrer. Depois que ele se foi e enquanto ela permanecia à disposição dele, os pensamentos e as dúvidas voltaram a assaltá-la. “Qual o sentido de manter uma relação que não a fazia feliz? Que aventura era esta que não trazia prazer, e sim desalento? Que dedicação era esta que não merecia reconhecimento?”.

Helena e Cássio tiveram mais uma conversa, por telefone, na qual ela o acusava de não cumprir suas promessas e ele a acusava de não ser compreensiva o suficiente com o ritmo de vida que ele levava. As acusações mostraram que a relação estava fadada a acabar ali mesmo, mas Helena não conseguia se desvencilhar deste sentimento que a aprisionava e ao mesmo tempo tanto a fazia sofrer. Helena tinha extrema dificuldade em virar as costas para tudo, até mesmo para o que lhe causava desconforto e dor. Mas era preciso. E ela assim o fez. Não sem sentir que seu coração estava sendo rasgado, que um ciclo importante de sua vida estava se encerrando. Acabar com esta quase história de amor era como dar as costas a um passado que não queria esquecer. Mas era necessário. E urgente. E ela juntou todas as suas forças e conseguiu dizer o tão adiado adeus.

Conseguiu resgatar dentro dela valores que sempre existiram, mas que estavam amortecidos: autoestima e respeito por si mesma e, o que é melhor, a vontade de saborear a sua própria companhia. Conseguiu ver que na vida há outras paixões além de um “único grande amor” que veio do passado para abalar o presente, mas que foi capaz de mostrar que a felicidade de uma pessoa não depende de grandes amores, depende só e exclusivamente das escolhas que cada um faz para si.

Diante destas conclusões, Helena fez a sua escolha e decidiu definitivamente voltar a ser feliz. Sem Cássio. Sem ninguém. Decidiu ser feliz por si mesma. Porque esta era a sua verdadeira essência. Helena não era aquela mulher que ficava chorando a espera de um homem que poderia amá-la. Ela era muito mais do que isto! Também não era o tipo de pessoa que responsabiliza o outro pela sua felicidade. Ela era a única responsável por este estado de espírito tão ansiado.

Os amigos sempre a viam como um sol que iluminava os ambientes nos quais entrava, que levava alegria por onde passava e que se preocupava não só com a sua felicidade, mas também em tornar a vida de todas um pouco mais feliz.Enquanto vivia sua quase história de amor, Helena ficou tão centrada nesta paixão que deixou seus amigos e a família em “stand by”. Todos se queixavam de sua ausência, mesmo na presença. Todos queriam de volta aquela Helena alegre, plena, cheia de energia, de vigor. E ela decidiu voltar! Decidiu valorizar cada uma daquelas pessoas que, à sua volta, faziam de tudo para deixá-la sempre feliz. Um pensamento lhe ocorreu: “Não tenho tempo para me lembrar de quem me deixou triste. Estou mais preocupada com quem me faz feliz”.

Helena compreendeu que viver é ser livre e que o fato de poder escolher era seu grande trunfo. Ela escolhia ser feliz e nada nem ninguém poderia mudar esta escolha. Ela compreendeu também que no processo de dúvidas e dores pelo qual passou houve um crescimento significativo. Aprendeu que o tempo cura, que mágoa passa, que decepção não mata e que as lágrimas sinceras podem ser precurssoras de sorrisos verdadeiros. Ela aprendeu que deveria ter mais cautela na hora de confiar, e escolher com mais cuidado para quem entregar seu coração. Aquela velha máxima que diz que “o que não te mata te fortalece” foi outro grande aprendizado de Helena.

E Cássio, o que aprendeu com esta história toda?Talvez ele nem quisesse aprender nada, refletir sobre nada, ainda mais diante de uma vida mecânica, na qual o afeto dela pouco importava. Helena tinha certeza que o breve caso que tiveram não impactou a vida dele. Será que ele tirou algum proveito, teve algum aprendizado? Isto ela nunca iria saber, mas nada lhe tirava da cabeça que um dia ele iria perceber que perdeu a oportunidade de compartilhar seu ocupado tempo com uma pessoa interessante que poderia ter lhe dado mais que beijos apaixonados. Poderia tê-lo ensinado a viver com mais prazer, a olhar a vida com mais brilho e a aprender a sorrir de verdade.

Capítulo II – Novos rumos

 

Mudança! De cidade, de casa, de emprego, de estado de espírito. A palavra estava deixando Helena tão animada que ela esqueceu tudo o que havia passado nos últimos meses: a decepção com o amor não correspondido, a inércia diante da carreira e as dificuldades de manter uma família estruturada, cuidando da felicidade dos filhos, muitas vezes em detrimento de sua própria felicidade.

A mudança foi um divisor de águas na vida de Helena. Foi um momento marcante, quando ela aprendeu a andar com suas próprias pernas. Até algum tempo a dependência do marido a havia deixado numa confortável acomodação. Seu casamento havia se transformando em uma grande parceria, uma amizade notável, e só. Depois que Murilo, um médico conceituado, passou a viajar com mais frequência para dar palestras em congressos foi que Helena percebeu que sua ausência não fazia falta. A partir daí ela repensou tudo o que estava vivendo.

Murilo não percebia sua negligência, a ausência na presença! E, aos poucos, foi perdendo o amor da esposa. Quando ele se deu conta de que havia estado distante por muito tempo, mesmo dormindo na mesma cama e comendo à mesma mesa, o caso já estava perdido. Helena não estava mais disposta a lutar, a cativar, a cultivar. Ela só queria de volta a sua liberdade para poder tentar, mais uma vez, buscar um relacionamento que tivesse, sim, companheirismo, parceria, mas, o mais importante, que tivesse muito amor.

O segundo passo: decidir para onde ir. Ficar no Rio de Janeiro estava fora de cogitação. A cidade era boa, os poucos amigos que cultivou eram leais, mas estava longe de toda a sua família, de todos seus amigos mais caros. Voltar para a sua terra natal foi uma decisão inusitada, mas para onde mais ela iria? Ela agora estava diante de um futuro incerto, com dois filhos adolescentes, e com uma coragem que ela não sabia que um dia esteve dentro dela, mas preferia se consolar sabendo que estaria perto dos pais e das duas irmãs que tanto a apoiavam.

Belo Horizonte não era a mesma de quando Helena vivia lá, mas o sonho de poder recomeçar, ao mesmo tempo em que a amedrontava, a estimulava a ser forte. Sair de um casamento de quase 14 anos sem mágoas foi como um presente. Contar com o apoio de Murilo na supervisão dos filhos seria sempre um lenitivo, mas ter que encontrar um novo emprego, criar um novo lar e se despojar de tantas dúvidas ainda a faziam se questinar se tinha dado o passo certo. Isto, na verdade, ela nunca iria saber. A única certeza é que ficar do jeito que estava não seria mais possível.

Os filhos aceitaram bem a mudança. Eram jovens bem resolvidos, criados com muito amor e conscientes do carinho que os pais tinham um pelo outro e da tentativa da mãe de manter a família sempre junta. Clara, a mais velha, costumava conversar com a mãe e entendia as suas razões de querer uma vida diferente. Angelo, que tinha 12 anos, parecia bem mais maduro do que os meninos da sua idade. Admitiu que sentiria a falta do pai, mas preferiu não interferir na decisão do casal. Murilo continuaria morando no Rio de Janeiro e se esquematizou para ficar com os filhos a cada quinze dias, além de programar viagens de férias e feriados. A estrutura familiar, dentro do possível, estava sendo preservada. Esta era a maior preocupação de Helena e foi justamente o que a manteve no casamento de ilusão durante os últimos anos. Agora era a sua vez de se estruturar.

Capítulo III – “Comer, Rezar e Amar”?

             Helena tinha lido o livro, visto o filme e se inspirado na personagem de “Comer, Rezar e Amar” para seguir sua nova jornada, mas,antes de tudo, era preciso trabalhar! Ela não poderia se dar ao luxo de uma farra gastronômica em outro país, ou um retiro espiritual, também em terras distantes, sem antes colocar as despesas da casa em ordem e voltar ao mercado de trabalho, onde poderia usar toda a experiência que tinha. A publicitária sabia que o mercado na capital mineira estava propício e com a ajuda de alguns amigos jornalistas e relações públicas, com os quais tinha feito vários cursos, conseguiu uma vaga em uma agência de médio porte, a Serotonina!

Conhecer os novos colegas, se adaptar às novas regras e cumprir, ao mesmo tempo, seu papel de mãe exigia dela uma dedicação e uma concentração extenuantes. Mas ela estava cheia de energia. Era hora de recomeçar. Os colegas foram corteses e ajudaram no processo de integração e em casa os filhos também colaboravam com a nova situação da família. Por enquanto, Helena se limitava a rezar! Orar para ter sempre forças, para seguir o caminho certo e, principalmente para não se arrepender do passo que tinha dado. Comer e amar eram etapas que precisavam esperar!

O horário de trabalho não permitia que ela fossealmoçar em casa e todos os dias Helena almoçava no mesmo restaurante, o que, portanto, não definia que decidira entrar na fase “comer”, já que não tinha tempo nem oportunidade de experimentar novos sabores. O restaurante era simples, aconchegante, próximo, e ali Helena encontrava o que precisava: tranquilidade para pensar.

Em um destes almoços, no entanto, sua paz foi abalada por uma companhia inesperada:

– Não tem nenhum local vago. Posso me sentar com você?

A voz vinha de um homem encantadoramente charmoso e cujo sorriso dispensava qualquer apresentação. Helena não sabia quanto tempo levou até responder, enquanto o sorridente estranho continuava esperando sua permissão.

– Posso? – repetiu, com o eterno sorriso nos lábios.

– Claro que sim! Desculpe-me, estava distraída. Fique à vontade, já estou terminando. – foi a única coisa que Helena conseguiu dizer.

– Obrigada e não tenha pressa! Não pretendo incomodar sua concentração, – disse, rindo.

Helena não entendia porque ele ria daquele jeito, uma mistura de malícia e intimidade, como se já a conhecesse. Ela não conseguia tirar os olhos dele, que, por sua vez, agia com naturalidade, e continuava dando a sensação de estar entre velhos amigos.

– Por acaso já nos conhecemos? – perguntou Helena.

– Você provavelmente não me conhece, mas eu já te conheço há quase um mês! – disse o sorridente moreno, completando: “Prazer, meu nome é Guilherme! E você é a Helena. Já ouvi a senhora do caixa te cumprimentando”.

Helena estava surpresa e ainda não tinha tempo para analisar o que estava acontecendo. Como ele há conhecia? Era algum cliente da agência? Algum caixa de banco? Mas ela nunca ia a bancos… Para não ficar mais confusa ainda ela decidiu perguntar e ele não teve o menor pudor em responder:

– Estou observando você há semanas. Vem sempre no mesmo horário, senta no mesmo lugar, come sempre as mesmas coisas e algumas vezes aproveita o final do almoço para ler um pouco. Mas sabe o que mais me impressiona? A paz que você exala. Uma serenidade contagiante. Uma independência marcante, como se o mundo à sua volta fosse algo à parte. Muito interessante. É como se sua própria companhia te bastasse o que me levou a pensar que deve ser uma ótima companhia!

Ele só podia ser louco. Helena ter uma paz contagiante? Isto era quase impossível. Ela vivia em conflito, vivia preocupada se conseguiria cumprir todos os seus papéis com sucesso e, acima de tudo, era uma pessoa transparente, o que a levava a crer, portanto, que este estranho não entendia nada de mulher. Pelo menos não entendia nada sobre ela. Mas Helena estava completamente enganada. Ele era bem mais astuto do que ela imaginava e, embora fosse difícil reconhecer, esta nova etapa da sua vida, por mais dura que fosse, trouxe para ela, de fato, muita paz. Uma paz interior típica de quem alçou vôos mais altos do que esperava.

Sentindo-se mais à vontade, Helena perguntou:

– E por que você me observa? Ou você observa todos à sua volta? Você vem sempre aqui? O que faz? Trabalha aqui perto? É psicólogo?

Guilherme começou a rir e respondeu:

– Acho que já descobri sua profissão! Você só pode ser jornalista. Quanta pergunta! Respondo na ordem?

A conversa estava ficando divertida, leve, e Helena abriu um pouco a guarda e começou a rir também.

– Não, eu não sou jornalista. Sou publicitária. Tinha muita vontade de fazer jornalismo, mas na época havia tantos jornalistas e tão poucos publicitários… Achei que poderia ter mais chances de me sobressair. Quando às perguntas, fique à vontade para respondê-las ou não. E na ordem que quiser.

Guilherme comia com calma saboreando cada porção. Ele era bem mais bonito do que ela havia notado. Comia com uma classe, com uma elegância notável e em momento algum abandonava a expressão de que a qualquer hora aquele sorriso enorme ia aparecer de novo. “Meu Deus! Este homem é de verdade? Bonito, parece inteligente, tem os dentes mais brancos do mundo e o cabelo mais preto, é simpático, irreverente e está me observando! Só pode ser gay e quer copiar algum modelo das minhas roupas ou então é um duende e vai sumir daqui a pouco”, pensava Helena.

Enquanto ela divagava, Guilherme começou a responder seu “interrogatório”:

– A primeira pergunta é porque eu te observo. Simplesmente porque você é a pessoa mais interessante e bonita que frequenta este local. Não costumo observar todo mundo, mas se alguém me chama a atenção, passo a observá-la. A segunda pergunta, portanto, já foi respondida. Vamos às demais: sou cozinheiro e venho sempre aqui porque acho o tempero dos cozinheiros daqui um dos melhores de Belo Horizonte. Não trabalho aqui perto, na verdade nem moro em Belo Horizonte. Moro no Rio de Janeiro, mas estou aqui a trabalho há um mês. O tempo exato em que você começou a frequentar este local.

Cozinheiro? Helena não acreditava no que ouvia. Nem gay, nem duende, mas cozinheiro… Estranho, muito estranho. Seu tempo estava acabando, tinha que voltar para a agência, mas a curiosidade estava aguçada. “Você, então, cozinha em um restaurante no Rio e está aqui num curso?”, perguntou.

– Exatamente! Volto para o Rio na próxima semana.

– Ah… – foi só o que Helena conseguiu responder. Ela não esperava que ele fosse um cozinheiro, preferia que fosse professor de Literatura, médico, engenheiro, administrador de empresa, enfim, cozinheiro? A decepção com a inusitada profissão não era maior do que com o fato dele declarar que em uma semana deixaria Belo Horizonte. Mas o que estava acontecendo com ela? Seria um nível alto de carência aflorando, já que estava sem namorar desde que havia se separado de Murilo e não tinha disposição para ter um novo affair desde a decepção com Cássio? Ela estava há pouco mais de meia hora conversando com aquele estranho e já lamentava a volta dele ao Rio. Muito estranho.

Guilherme interrompeu seus pensamentos.

– Nesta semana você poderia me acompanhar num passeio gastronômico. Posso mostrar para você o que tem de melhor para comer aqui em Belo Horizonte, se é que você já não sabe! Que tal?

Helena já estava se levantando para voltar ao trabalho quando sentiu um frio na barriga ao ouvir a proposta do cozinheiro duende dos dentes brancos e cabelo preto. O que ela teria aperder com isto? Pelo menos poderia entrar, mesmo que de forma tímida, na fase “comer”, depois, quem sabe, não viria a tão sonhada fase “amar”. “Comer, rezar e amar”!

– Sim, claro que eu aceito. Voltei para cá agora e estou totalmente desconectada. Você, como especialista na área, saberá exatamente onde poderemos ir. Agradeço o convite.

Helena não sabia mais o que falar. Estave em pé, pegou a bolsa, deixou um cartão com ele e saiu sem nem olhar para trás. Estava confusa e pensava o que poderia acontecer em uma semana com um cozinheiro (“ai, meu Deus ele não podia ser um engenheiro?”) e uma publicitária dispostos a desbravar os restaurantes de BH. E depois? O depois ela ia deixar para lá. Por enquanto só pensava em curtir alguns momentos com uma pessoa interessante. “Às vezes não vai ter nem química e ainda por cima vou ganhar uns quilos com esta brincadeira”, pensava enquanto ria sozinha voltando para a agência. Mas duvidava que não tivesse química com aquele homem. Só de lembrar-se daquele sorriso largo, dos olhos pretos que também sorriam, e daquela voz cheia de charme, hummm, era melhor se concentrar no trabalho.

Comer, rezar e amar. Comer, rezar e amar. As palavras não saiam da sua cabeça, mas a ordem já estava imposta: rezar, comer e, quem sabe, amar!

 

Capítulo IV –Príncipe encantado? De novo, não!

 

Helena mal conseguia se concentrar na campanha que estava desenvolvendo. A cada toque do celular olhava ansiosa pensando que poderia ser ele. Um sinal tocou na sua cabeça: não, não, não. Esperar o “princípe encantado” de novo, não! Ela tinha que ter amadurecido neste processo de isolamento. Tinha que ter crescido e deixado os sonhos de encontrar alguém cuja sintonia com ela fosse perfeita lá atrás, na adolescência! Decidiu colocar o celular para vibrar e se concentrar na campanha. Afundou no trabalho e não prestou mais atenção no celular. Estava equilibrada de novo. Trabalhou com dedicação o restante da tarde e recolheu seu material para começar, em casa, a segunda etapa: conversar com os filhos, ver como foi o dia deles, preparar algo para comerem. “Ah, comer…”, ela lembrou! Nesta hora resolveu espiar o celular e havia oito mensagens de Guilherme e mais algumas chamadas! Uau! Por mais que Helena tivesse amadurecido, aprendido a apreciar sua própria companhia, crescido emocionalmente, uma coisa não havia mudado: ela adorava saber que ele estava pensando nela! Ela lia cada uma das mensagens, mas o conteúdo era o mesmo: a que horas e onde ele poderia pegá-la, ainda naquela noite, para começarem seu turismo gastronômico?

Helena mandou uma mensagem para ele avisando que poderia ir até seu prédio, às 21 horas, depois que ela e os filhos tivessem tido tempo de compartilhar o que aconteceu no dia. Será que não era perigoso se encontrar com um completo estranho? Ainda mais um homem que a observava? Mas ele parecia tão bem vestido, bem vestido até demais para um cozinheiro. Ele parecia tão culto, tão confiável. Será? De qualquer forma, ela não o convidaria para entrar no prédio, muito menos em seu apartamento. Clara e Angelo aprovaram a saída da mãe, afinal de contas há quanto tempo ela não dava uma volta nem para bater papo com uma amiga? Deram a maior força e só ficaram rindo quando a mãe contou a profissão do novo amigo. “O que as pessoas têm contra os cozinheiros?”, ela se perguntava, mas admitia que a princípio também estranhou a profissão de Guilherme, mas já estava se acostumando.

Na hora exata tocou o interfone. Era ele. “Não é possível! Ele deve ser um assassino, um traficante, um fugitivo da polícia carioca ou um duende mesmo! Que homem lindo, agradável, culto e gentil chega na hora certa?”, Helena pensava, enquanto conferia no espelho se estava vestida da maneira adequada: arrumada, mas sem parecer que estava preocupada demais com o encontro.

Guilherme a esperava ao lado de fora do portão, encostado num carro prata, que destaca ainda mais sua camiseta branca sob o blaser preto. A calça jeans ajustada na medida certa completava o visual despojado, mas mostrava para Helena bem mais do que ela esperava ver. “Meu Deus! Como ele é bonito!”. Ao cumprimentá-lo com um beijo no rosto ela sentiu seu cheiro e neste momento teve a certeza: era realmente um duende, não podia ser de verdade! Helena usava um vestido de seda, que não tinha a menor pretensão de mostrar seu corpo, mas que inegavelmente a deixava sensual. A seda amarela caia sobre suas curvas realçando seu bronzeado carioca e fazendo com que seu cabelo dourado se destacasse ainda mais. A delicada sandália de salto, de um cetim quese nude, a faziam parecer mais alta e a deixava extremamente feminina. A imagem que ela conferiu no espelho a agradou, mas, como sempre, não a surpreendeu. Helena não se achava uma mulher incomum. Não era alta nem baixa, nem magra e nem gorda. Se achava uma pessoa muito comum, que passaria despercebida em qualquer situação. Mas ela estava enganada. Devia ter algo bem interessante para chamar a atenção de homens como Murilo, Cássio e Guilherme. Homens que poderiam escolher companhias femininas a seu bel prazer.

Guilherme estava com uma expressão entre confuso e satisfeito.

– Eu olho para você há um mês e achei que você nunca fosse conseguir me surpreender, mas como conseguiu ficar ainda mais bonita? Você está um espetáculo!

Príncipe encantado. Príncipe encantado. Educado, bonito, gentil, bem humorado e ainda por cima devia cozinhar bem porque um profissional ruim não tinha como se vestir tão bem e nem como investir em cursos. Ele era perfeito. Não, ele não podia ser perfeito porque perfeição não existe e Helena se recusava a sofrer novamente. Recusava-se também a idealizar. Logo, logo Guilherme ia contar que era casado e que tinha que voltar pro Rio em uma semana porque a esposa o esperava e eles tinham um lindo bebê. Com este pensamento ela voltou à realidade e entrou no carro. Seguiram para um dos locais mais movimentados da capital mineira e entraram num restaurante que Helena só conhecia de nome. O local era agradável, intimista, boa música e um público selecionado.

– Você já conhece este restaurante? – perguntou Helena.

Antes, no entanto, que Guilherme pudesse responder um homem de terno, todo simpático, foi recebê-los. Giorgi Mantelli era o dono do restaurante italiano e demonstrou uma enorme satisfação em abraçar Guilherme.

– Por que você não me avisou que viria? Teria providenciado algo bem especial para você Guilherme! E quem é esta preciosidade? Uma carioca que veio conhecer nossos segredos culinários?

Guilherme sorria enquanto apresentava Helena a Giorgi, contando que era uma amiga que morava ali mesmo e que não conhecia o restaurante que tinha a melhor massa da cidade. Ele sabia as palavras certas para agradar as pessoas. Isto a assustava. Era intencional? Era programado? Será que ele era um canastrão?

Giorgi os colocou em uma mesa em um canto discreto e cochichou para o garçom algo que fez com que o tratamento depois disto fosse impecável. Guilherme pediu um vinho, tomou a liberdade de escolher os pratos e começou a conversar como se estivesse acabado de reencontrar uma velha amiga, da qual queria saber cada detalhe da vida.

Antes, no entanto, que continuasse com suas perguntas, Helena o interrompeu com a pergunta que martelava a sua cabeça:

– Você é casado? Vi que não usa aliança, mas muitos homens preferem não usar.

Guilherme riu. “Ai, meu Deus, aquele sorriso de novo e eu pulo em cima dele aqui mesmo”, pensou Helena.

– Sou divorciado. No momento estou solteiro, mas não pretendo ficar assim por muito tempo porque, ao contrário de você, não sei lidar muito bem com minha própria companhia! Preciso de alguém para me ajudar a escolher as minhas camisas, para provar meus temperos e para discutir se o Mel Gibson é ou não um bom ator e se o roteiro do filme que estamos vendo é bom. Brincadeira!! Não estou atrás de uma companhia feminina. Posso me virar bem sozinho, mas admito que a felicidade, a meu ver, está vinculada ao amor. Nada como ter alguém que ama a seu lado, compartilhando suas vitórias e dividindo as possíveis dores.

Uau. Helena estava aliviada. Que bom que ele não era casado. Antes que continuasse pensando no restante da resposta dele, Guilherme continuou falando:

– Tenho dois filhos incríveis. Thiago tem 18 anos e já está no primeiro ano de Jornalismo. Faz perguntas como você, o que me levou a crer que você também era jornalista. Thomas tem 16 anos e quer ser engenheiro. Os dois moram com a mãe, Alice, uma super professora de yoga, excelente mãe e uma ótima, acredite, ex-esposa. Nos damos muito bem e só paramos de viajar juntos, os quatro, porque o namorado dela começou a encrencar! Eu moro na Barra e eles, em São Conrado. Como vê, estamos próximos.

– E seu trabalho? É longe? Já morei na Barra e conheço muitos restaurantes lá. Para falar a verdade, acabo de sair de lá. Meu ex-marido, Murilo, continua morando no Rio, mas preferiu comprar um apartamento no Jardim Botânico, que fica mais próximo do seu consultório. Ele é médico, mas vive viajando. Também temos a sorte de ter uma ótima relação. O casamento acabou há pouco tempo, mas o respeito e o carinho que temos um pelo outro continua.

– Quem quis acabar? Foi uma decisão conjunta? – questionou Guilherme, enquanto a olhava, pela primeira vez, sem a mínima menção de que iria sorrir.

– Eu tomei a iniciativa. Mas ele sabia que era uma decisão acertada.

– Por quê? Ele te traiu?

– Não acredito, Guilherme! Que machismo é este? “Oba, ele não é perfeito!”, pensou. Por  que ele teria que me trair e eu terminar? Ele poderia ter me traído e eu perdoar. Poderíamos ter acabado porque eu o traí e resolvi terminar e confessar  tudo. E quantas outras hipóteses! Mas a verdade é que acabou o amor. O meu amor por ele. E mantive o casamento por três anos nesta situação, mas chegou uma hora que não dava mais e decidi sair do Rio e voltar pra casa.

– E ele aceitou numa boa?

– Tentou muito antes de aceitar, mas viu que não tinha mais jeito e teve que aceitar.

– Tentou de que maneira?

– Fazendo tudo o que não fez durante os anos anteriores: sendo mais presente, prestando mais atenção em mim, nos meus gostos, na minha aparência. Tentou me seduzir! Mas já não tinha jeito. Eu estava anestesiada. Até queria muito que ele conseguisse, mas não dava. Foi tarde demais. E você? Quem acabou?

– No nosso caso não havia amor por parte dos dois, mais ninguém queria dar o primeiro passo. Eu me envolvi com outra mulher e comecei a mentir. Ela nunca gostou de mentiras e me mandou embora, numa boa, com as palavras mais honestas que eu poderia ouvir, sem mágoas pela traição, mas muito chateada com as mentiras. Ela já não me amava mais e por isto a dor da separação foi bem menor.

– E porque ao invés de traí-la você simplesmente não saiu de casa para viver sua aventura com a outra mulher?

– Porque não tive coragem. Era cômodo ficar em casa, com meus filhos, com minha rotina, com tudo o que já estava acostumado.

– E a outra mulher? Porque não deu certo? Você disse que está solteiro…

Guilherme ficou sério pela segunda vez desde que o conhecera.

– Porque nada que começa errado, com mentiras, pode dar certo.

Helena não sabia se insistia, se continuava com aquele assunto ou se mudava o rumo da conversa. Mas estava tão curiosa que resolveu prolongar.

– Mas você sofreu? Ainda pensa nela? Quem decidiu terminar?

– Uau! Quanta pergunta! Sofri, não penso mais nela e eu decidi terminar porque eu queria um romance e ela queria uma aventura. Era bonita, mas muito jovem, e queria da vida algo que eu não podia lhe dar.

A parte que Helena mais gostou da resposta foi o “não penso mais nela”, mas o que será que ela queria que ele não podia dar? Talvez a jovem bonita quisesse uma vida mais abastada ou seria um sexo mais criativo? Helena teve vontade de perguntar, mas achou que já era hora de mudar de assunto. Eles tinham acabado a refeição e o garçom já estava servindo a sobremesa, que ela nem se lembrava de ter pedido.

– Nós pedimos sobremesa? – perguntou, rindo.

– Não que eu me lembre, mas Giorgi adora me surpreender!

E o sorriso aberto, de dentes incríveis, apareceu de novo, iluminando a noite e fazendo com que Helena se esquecesse de onde estava e do que haviam conversado. Ele era realmente encantador. Conseguia com um simples sorriso mudar o clima e a transportava  para um mundo de fantasia, no qual ela já se imaginava abraçada àquele corpo esguio e com aquele sorriso bem próximo ao seu rosto. Enquanto sonhava de olhos abertos ouviu a voz de Guilherme:

– Helena! Helena! Posso saber onde você estava? Perguntei se gostou da sobremesa e você não respondeu!

– Ah, me desculpe! Estava pensando em outra coisa, estava longe. Desculpe! Está uma delícia!

– Mas você vai ter que me contar o que fazia tão distante! Pensando em algo do seu trabalho? Teve uma ideia repentina para uma campanha? Seu semblante era bem agradável, portanto seus pensamentos deviam ser bem interessantes.

“Ah, eram! Muito interessantes! Ele nem imagina o quanto”, pensou ela. Mas se limitou a responder:

– De fato, estava pensando em uma solução divertida para uma campanha. Mas não costumo fazer isto. Não misturo trabalho e prazer.

Prazer? O que ela tinha acabado de dizer? Ele ia pensar o que? Que fora! Helena tentou consertar a situação e piorou. Seria mais fácil dizer “estava pensando o quanto você deve ser mais gostoso do que esta sobremesa e como gostaria de sentir seu sorriso bem próximo ao meu rosto”. Mentiu e em menos de um segundo já confessava que ele era “prazer”!

Guilherme sorria, agora também com os olhos, o que Helena já sabia que era quando seus pensamentos tinham um que de malícia. Quem ela achava que era para poder julgar assim um homem que conhecia há um dia? Só porque ela achava que quando ele ria com os olhos estava pensando outras coisas ela já achava que era íntima. Que sensação de familiaridade este homem provocava.

– O que você está pensando que o faz rir com esta cara de malícia? – perguntou, finalmente.

– Que se você não mistura trabalho e prazer, certamente eu sou o prazer, o que vem a calhar porque estar com você também está sendo muito prazeroso. Você é divertida, uma companhia alegre, mas devia se policiar mais quando tenta mentir porque faz uma cara muito engraçada que denuncia que você não está dizendo a verdade! Vamos conferir: qual foi mesmo a ideia que teve paraa sua campanha?

Helena riu. Ele sabia que ela estava envolvida, que também estava gostando do encontro. Ele devia ter noção do quanto era envolvente e do poder que excercia sobre as mulheres quando resolvia rir daquele jeito.

– Um a zero para você!

– Mas então, se não estava pensando em uma campanha, de que estava rindo daquela maneira tão gostosa, quase languida.

– Estava pensando em você!

Desta vez foi Guilherme que ficou surpreso com a resposta tão direta. Ela era mesmo surpreendente. Parecia traquila, na defensiva, às vezes até tímida, mas foi direta quando ele não pensava que ela ia ser. A situação, portanto, era favorável e depois de uma sinalização desta Guilherme decidiu pedir a conta. Giorgi veio se despedir do casal e prometeu que iria em breve ao Rio provar o tempero de Guilherme.

Enquanto esperavam o manobrista trazer o carro, Helena se sentia como uma verdadeira adolescente. “E agora? Para onde vamos? Devo aceitar de cara se ele quiser ir mais longe? Será que é melhor ir com calma? E se ele não for tudo isto que estou esperando? Helena, Helena, ele não tem que ser um príncipe encantado. Eles não existem, lembra-se?”

O carro chegou e assim que entraram Guilherme não pestanejou em dizer:

– Agora é hora de conferir se nosso encontro vai ser mais interessante do que eu havia programado!

E foi com o carro em direção ao bairro onde Helena trabalha e, consequentemente, almoçava. O hotel no qual ele estava hospedado era próximo e foi para lá que eles foram. Helena não disse uma só palavra. Ela não sabia o que dizer e apenas ouvia Guilherme contando sobre como gostava de Giorgi e como se dava bem com os mineiros. Enquanto ele falava e falava, ela ía pensando o quanto o desejava. Como podia ter sido obervada  por quase um mês sem seque tê-lo notado. Aquela presença a seu lado, naquele instante, era tão forte que a fazia crer que ela andou cega por algum tempo.

Chegaram. Guilherme já estava com a chave do quarto e eles subiram sem que os discretos recepcionistas sequer a olhassem. Ele abriu a porta do quarto e antes que ela pudesse fazer qualquer observação  puxou-a para si e começou a beijá-la. Empurrou a porta com o próprio corpo e permaneceram em pé, naquele beijo quente e interminável, sem coragem de se mexer, como se mudar de posição os fizesse acordar de um sonho.

Helena sentia exatamente isto: estava sonhando. Era esta sensação, este arrebatamento que ela esperava quando ia se encontrar com Cássio. Era esta falta de palavras, este abraço apertado de corpos que não querem se distanciar nem por um segundo. Naquele momento, no meio daquele beijo, ela não quis pensar em mais nada. Ele podia ter mil defeitos, ela podia se decepcionar, mas naquele instante ele era realmente seu príncipe encantado.

 

Capítulo V – Comer, rir, amar e amar

 

Helena acordou achando que tinha mesmo sonhado, mas olhou para o lado e ele estava ali, dormindo. Não, ele não era um duende. Ele não tinha sumido. Era bem mais bonito do que ela imaginava. Era habilidoso ao tocá-la e sabia exatamente o que fazer para deixá-la louca de desejo. A reação que ela provocava nele também era a mesma. O jeito que ele a olhava traduzia o poder que ela também exercia sobre ele. Química. Sintonia. Desejo. Tudo ao mesmo tempo, com duas características contrastantes: calma e intensidade.

Fizeram amor sem pressa, mas com muita intensidade. Seus corpos tinham uma harmonia que dava a Helena novamente a sensação de não estar com um desconhecido. Estar com a cabeça apoiada no peito de Guilherme, ouvindo as batidas de seu coração, parecia uma experiência já vivida, como até se o ritmo das batidas fosse um velho conhecido. Ela ainda estava inebriada quando ouviu o alarme de seu celular. Havia perdido a hora! Queria ter acordado mais cedo para ir para casa se trocar. Tinha que estar na agência às 8h e já eram 7h. Saiu da cama e começou a se vestir com muito cuidado para não acordá-lo. Pegou suas coisas, deu uma última olhada naquele corpo lindo que há minutos a aquecia e foi embora.

Helena foi direto para o trabalho. Conseguiu chegar na hora, mas não conseguiu passar despercebida por dois motivos: primeiro porque estava bem vestida demais para quem ia trabalhar e, segundo, porque trazia nos lábios um sorriso que denunciava uma noite maravilhosa. Os amigos a olhavam com admiração e surpresa, mas não falavam nada. Até que Laura, uma das colegas mais chegadas da agência, não se conteve e falou:

– Helena, sua noite deve ter sido incrível! Você está sempre bonita, mas hoje está radiante! Sua pele, seu sorriso, tudo está mais bonito. Mas tem uma coisa que me chamou mais atenção: seus olhos! Nunca os vi brilhando tanto!

Helena mais uma vez se lembrou de Cássio. Havia escutado esta mesma observação há mais de 20 anos, quando saiu com ele pela primeira vez. No dia seguinte foi trabalhar e sua amiga Cláudia disse que queria conhecer o único homem que fez brilharem os olhos de sua melhor amiga. Agora ele não era mais o único. Os olhos de Helena brilharam de novo e, quem sabe, por um homem que valia mais a pena.

Antes que continuasse com seus pensamentos, seu celular vibrou. Era ele. Guilherme, com a voz ainda sonolenta, perguntava porque ela tinha ido embora sem se despedir. Ela explicou que não queria acordá-lo porque ele estava dormindo um sono tão gostoso que deu vontade de ficar ao seu lado e não ir trabalhar, o que era impossível! Guilherme disse que ía pensar se iria desculpá-la e impos uma condição: que ela guardasse lugar para ele, na mesa dela, no almoço daquele dia. A resposta foi uma sonora risada. É claro que ela guardaria o que ele quisesse. Só de pensar em encontrá-lo novamente, depois da noite que passaram juntos, ela sentia um arrepio. Desligou o telefone, mandou uma mensagem para o celular dos filhos, que já estavam estudando, e começou seu dia de trabalho, mais inspirada, mais energizada, com os pés no chão e a cabeça nas nuvens.

As horas passaram rapidamente e o horário do almoço chegou. Foi para o restaurante de costume com uma animação atípica, querendo fingir que estava normal, mas tão feliz que não conseguia disfarçar. Sentou-se à mesa que costumava comer e em menos de cinco minutos lá estava ele, com aquele sorriso que a deixava tonta. Chegou e antes de sentar ou cumprimentá-la se abaixou e lhe deu um apaixonado beijo que tirou o fôlego não só de Helena, mas das mulheres que estavam à sua volta e sonhavam em viver uma cena igual. Depois disto, se sentou e lhe deu um caloroso “boa tarde”!

– Boa tarde para você também! O que fez a manhã inteira? – perguntou Helena.

– Uma coisa que não fazia há muito tempo: nada! Fiquei na cama, sentindo seu cheiro, lembrando do seu corpo e pensando que não devia ter deixado você ir embora, mas como iria impedir uma saída tão furtiva? Depois dormi de novo, li o jornal, tomei um banho e aqui estou eu!

– E o que pretende fazer à tarde? – Helena voltou a perguntar.

– Passo a tarde toda no curso, mas já tenho a resposta para sua próxima pergunta, ou seja, para o que vou fazer à noite!

– E quem garante que esta seria minha próxima pergunta? – falou, rindo.

– Ah, Helena, é que muitas vezes você é tão fácil de decifrar, embora eu tenha que confessar que também, em alguns momentos, é surpreendente…

– E o que eu fiz que já te surpeendeu?

– Várias coisas. A primeira foi deixar de ler seu interessante livro para dar atenção ao senhor da mesa ao lado que queria bater papo. Até então, eu pensava que você era a pessoa mais fechada deste mundo, mas quando parou com sua leitura e mergulhou na conversa do velhinho eu percebi que você não era exatamente o que eu havia definido. A segunda vez  foi quando aceitou ir para meu hotel!

– Mas você não chegou a me perguntar se eu queria! – Helena refutou, fingindo uma indignação que estava longe de sentir.

– Mas você não deu sinais de que não queria!

– Ai, Guilherme, quanta presunção, não? Acha que já me conhece a ponto de interpretar meus sinais?

– Minha doce e brava Helena, seus olhos ontem falavam e seu desejo era tão presente quanto o meu. Ou será que estou enganado?

– Não, meu sorridente vidente. Você está completamente certo, aliás só de lembrar o que vivemos ontem tenho vontade de inventar que passei mal e fazer você perder seu curso e passar a tarde toda com você! Mas como somos responsáveis vamos embora que já está na minha hora!

Guilherme ria e deixava claro que apreciava e sinceridade de Helena. Nada de jogos. Nada de fingirem desinteresse para que um deles não ficasse mais vulnerável do que o outro. Era um casal maduro que se desejava muito, que tinha muitas coisas em comum, principalmente valorizar o bom humor, e que não fazia a mínima questão de esconder que queria estar junto. Helena estava feliz. Muito feliz. A sensação de que ele era familiar permanecia e não mais a incomodava. “Talvez seja de uma outra vida”, acreditava. Saíram do restaurante de mãos dadas, como namorados que acabam de começar uma bela história de amor. Marcaram um encontro para mais tarde e seguiram cada um para suas obrigações.

A hora não passava. Helena se dedicava ao trabalho, mas estava distraída. Tudo era ainda muito novo. Sabe aquela adolescente que ficou com o rapaz pela primeira vez e passou o dia seguinte só pensando nele? Helena era a própria, só que com 45 anos.

Quando deu a hora de ir para casa ela passou na faculdade de Clara e deu uma carona para a filha. A amizade e o respeito de uma pela outra era notável, mas Clara não estava muito animada. Confessou para a mãe que por mais que torcesse pela felicidade dela, tinha pena do que a notícia do novo namorado poderia causar em Murilo. Helena também não ficava confortável em pensar no ex-marido sofrendo, mas ela tinha quse certeza que ele não sentia sua falta, que a profissão o ocupava tanto que qualquer companhia era secundária.

– Eu sei, filha, que não foi fácil para seu pai aceitar a separação e por isto posso te pedir um favor? Não comente com ele sobre o Guilherme, mesmo porque nem sabemos se vai dar certo, tudo bem?

– Claro, mamãe. Não vou falar nada. Na verdade quero muito te ver feliz, embora tenha saudades do Rio, dos meus amigos, do meu pai. Eu gostava muito da gente juntos. – confessou Clara, fazendo com que Helena esquecesse o estado de euforia em que se encontrava e sentisse uma certa culpa por ter sido a pessoa que tomou a iniciativa. Ela não imaginava que Clara sentisse falta da vida que tinha e ia ter que ser habilidosa  para lidar com esta novidade. Até então, ela achava que estava tudo bem.

– Mas você nunca me falou isto, minha filha? Você acha que não dá para a gente continuar sendo feliz com outras pessoas, em outra cidade, mas mantendo nossa família sempre unida em torno do amor que temos uns pelos outros?

– Ih, mãe, fica tranquila! Não vou dar uma de ciumenta agora e embaçar seu namoro. Quero que você seja feliz, sim. Só estou com dó do papai e, é claro, que qualquer filho quer ver seus pais juntos, mas se eles não estão felizes de que adianta? Relaxa, mãe! Só estou com saudades do meu pai e da minha turma, mas aqui vai ser legal para a gente.

– Clara, eu te juro que tentei, filha. Com todas as minhas forças. – Helena suspirou.

– Eu sei, mamãe. Fica tranquila e vai se prontar pra ver o seu cozinheiro! Cuidado para não engordar, em?! – disse, já mais leve e mostrando para a mãe a maturidade que Clara sempre teve.

– Obrigada, querida! É muito bom saber que posso contar com você. Espero que seu pai também encontre uma pessoa bem legal. Quanto ao cozinheiro, vamos ver se hoje ele pelo menos me leva num restaurante natural!

As duas entraram em casa rindo e cada uma foi para seu quarto. Depois de um banho demorado, Helena foi até o quarto de Angelo, conversou um tempo com o filho e foi terminar de se aprontar.

Guilherme estava na mesma posição da noite anterior, encostado no carro prata. Só que desta vez estava com uma roupa mais despojada. Helena parecia ter advinhado a sua intenção e também havia se vestido de uma maneira mais informal. Um vestido de tecido leve, que a deixava mais jovem, e uma sandália baixa, propícia para uma caminhada depois do jantar.

Eles se abraçaram, entraram no carro e seguiram para o lado oposto da noite anterior. Guilherme não a levou a um restaurante, como ela estava esperando. Foi direto para um motel e nem esperou a porta do quarto ser aberta e envolveu Helena em um beijo tão profundo, tão intenso, tão urgente, que ela mal podia respirar.

Entraram no quarto, onde a cama enorme seria totalmente dispensável porque o desejo de ambos era tão grande que transaram em pé, com uma pressa desesperada. “Este homem é demais”, pensava Helena, sem tempo para se recuperar da falta de fôlego. Depois de êxtase de ambos, os dois se jogaram na cama e começaram a rir. Era uma sintonia gostosa, uma mistura de descobertas e uma liberdade que só os amantes mais íntimos costumam ter. Ficaram durante muito tempo deitados, de mãos dadas, apenas se olhando e rindo, até que Guilherme falou:

– Hoje é terça-feira, não é? Vou embora na sexta e não sei como vou fazer para lidar com a sua falta.

Helena não sabia o que falar. Estava totalmente deslumbrada com aquele conhecido estranho. Sentia um aperto no peito em pensar que ele ia embora. Chegou a pensar  “porque não continuei morando no Rio?”. Mas logo depois lembrou que se estivesse morando no Rio, certamente não iria conhecê-lo. Um certo clima de tristeza tomou conta dos dois, mas Guilherme logo propôs:

– Que tal você passar o fim de semana comigo no Rio?

– É uma boa alternativa! Será uma oportunidade de você cozinhar para mim e vou poder conhecer o restaurante em que você trabalha.

Guilherme ficou com um ar pensativo e Helena se sentiu uma idiota por ter aceitado tão prontamente o convite. “Será que ele esperava que eu recusasse e fez o convite apenas por educação?”. Antes que continuasse com seus devaneios, suas dúvidas e passasse pelo processo de desvalorização que costumava ter quando estava com Cássio, ele disse:

– Helena, eu não trabalho em um único restaurante. São vários. Na verdade é uma rede.

– Ah, então você não vai ter tempo de me receber. Por que, então, fez o convite?

– Não é isto o que estou querendo dizer, minha querida. O que estou te explicando é que não sou cozinheiro de um restaurante. Sou o proprietário de uma rede e o chef de todos eles. Portanto, você terá que ir mais do que um fim de semana para conhecer o meu trabalho!

Helena estava estupefata. Então ele não era só um cozinheiro? É claro que não podia ser, com aquele vocabulário, com o conhecimento que tinha com os donos de restaurantes de Belo Horizonte, com as roupas que usava e o carro que tinha alugado.

– E se você é um chef, então porque ainda precisa fazer cursos? – perguntou, enquanto administrava as novas informações.

– Em que momento eu te disse que estava tendo aulas durante o curso? Eu ministro aulas neste curso, por isto meu horário é tão flexível. Helena, você não ficou satisfeita com tudo que te contei? Está com uma expressão de decepção, como se tivesse sido traída. Eu sou mesmo um cozinheiro e estou em um curso, só não te dei detalhes para não parecer que estava me gabando para te conquistar.

– Era isto ou o medo de que eu me interessasse por você por ser alguém famoso e provavelmente rico? – perguntou, demosntrando certa mágoa.

– Não, minha querida, estou sendo sincero. Mesmo porque você nunca me pareceu o tipo de pessoa que se interessa por alguém pelo que ela tem, caso contrário não teria se separado, afinal de contas já me contou quem é seu marido e sabemos que não há uma só pessoa no Rio que não tenha ouvido falar sobre o grande Dr. Murilo Peçanha.

Helena não respondeu. Ela realmente tinha aberto mão de uma vida bem mais abastada e não quis nada que fosse além do que era necessário para manter o conforto de seus filhos. Murilo comprou um bom apartamento para eles e dava uma pensão generosa para os filhos, mas Helena não quis nada. Logo tratou de arrumar seu emprego e mantinha a casa sem luxo, mas com conforto. Mas por mais que ela não quisesse, havia um certo sentimento de que tinha sido enganada.

 

 

Capítulo VI – Conhecendo o universo de um chef

O que será que a estava incomodando? O fato de saber que estava completa e rapidamente apaixonada por uma pessoa que já começou a relação se esquivando de falar toda a verdade? O medo de se envolver com um homem que colocasse o trabalho em primeiro lugar, como aconteceu com seu casamento? Apreensão diante da perspectiva de ficar longe de uma pessoa que estava se tornando tão importante? Surpresa por se ver ligada a alguém tão rapidamente? Helena estavam completamente atordoada e oseu  silêncio estava visivelmente incomodando Guilherme.

– Helena, o que eu fiz que te deixou tão fria? Apenas o fato de não ter entrado em detalhe sobre meu trabalho, meus negócios?

– Não sei. Alguma coisa esfriou mesmo. Não estou conseguindo saber o que foi. Sou avessa a mentiras e ainda que você não tenha mentido, você não foi totalmente franco, o que me leva a questionar se sempre o será.

– Pelo amor de Deus, Helena. Por que, nesta altura do campeonato, com 46 anos, eu iria me aproximar de alguém já disposto a começar com mentiras? Olhe, eu já passei por muita coisa na vida e embora você não tenha tido tempo suficiente para me conhecer a fundo, posso te garantir que sou uma pessoa íntegra, que valoriza a verdade. Eu simplesmente achei desnecessário dizer para você que era o proprietário de uma cadeia de restaurantes. Esta informação já fez muita gente se intimidar. Não quero que o mesmo aconteça com você, me entende?

Helena entendia, mas ainda assim estava em dúvida. Uma coisa era certa: ela o conhecia muito pouco mesmo para apostar todas as fichas em um relacionamento que julgava ter tudo para ser prefeito. “Ah, dona Helena, que mania idiota de buscar a perfeição em tudo! Isto cansa”, ela mesmo ponderou, antes de abrir seu melhor sorriso e dizer:

– Deixa para lá! Onde estávamos?

– Estávamos decidindo sobre sua ida ao Rio no fim de semana, mas tenho uma ideia melhor do que podemos decidir agora-, disse, enquanto começou a beijar seu pescoço, descendo até o colo, subindo novamente e deixando um rastro de calor que a fez puxar seus bagunçados cabelos e exigir um beijo cheio de entrega. A noite estava apenas começando!

A luz começou a invadir o quarto e Helena começou a pensar onde mesmo estava. Sentiu o calor de um corpo grudado ao seu e o peso de uma perna sobre a sua. Olhou para o lado e viu que toda a entusiática noite de sexo não foi um sonho erótico. Guilherme estava ali, ao seu lado, em um sono profundo, com um quase sorriso no rosto. Ela aproveitou o momento para apreciarseu belo corpo. O tórax forte mostrava o cuidado com o corpo, uma pessoa que apreciava fazer exercícios, mas que não seguia padrões de beleza impostos por esta ou aquela revista. Era um tórax firme, bronzeado, sem músculos hipertrofiados. Helena ousaria dizer que ele tinha exatamente as medidas que ela mais apreciava. Seus olhos desceram mais um pouco e pararam no abdomem. “Oh, meu Deus, como pode alguém ser tão proporcional! Caramba! Tudo simetricamente ‘projetado’. Deus caprichou nesta sua ‘obra’. Ele é perfeitamente bonito”, foi o pensamento de Helena até que seu olhar desceu mais um pouco e seu fôlego se tornou mais agitado. A visão daquela parte do corpo de Guilherme que lhe tinha dado tanto prazer fez sua temperatura subir. “Caramba, Helena, depois de horas e mais horas de sexo você ainda quer mais? Menina insaciável!”, ela brincou com o pensamento. Mas saciedade e Guilherme nu eram duas coisas completamente incoerentes.

Enquanto seu pensamento se dividia entre a vontade deacordá-lo da forma mais inusitada e mais apreciada pelos homens possível e deixá-lo descansar um pouco mais, Helena percebeu que ele começou a se mexer e mal teve tempo de perceber a ereção de Guilherme aumentando e a convidando para mais um momento de intimidade, de sexo e de muito carinho.

O celular tocou e ela percebeu que deveria se desvencilhar do abraço dele e correr para o trabalho. Guilherme reclamou, mas a deixou levantar, não sem antes enchê-la de beijos e prometer uma massagem maravilhosa no próximo encontro.

– Se eu não conseguir te conquistar pelo estômago, garanto que minha massagem vai te deixar apaixonada! – garantiu o nada humilde chef.

Mais apaixonada? Helena já estava entregue, mas evitava mostrar toda sua expectativa e atrapalhar tudo.

Os dias se sguiram com almoços divertidos e jantares românticos, seguidos de noites muito quentes, até que a sexta-feira chegou. Guilherme ia embora no vôo das 17 horas e insistiu para que Helena e os filhos tentassem viajar no mesmo avião, mas ela tinha que terminar um trabalho, sem contar que não queria que os filhos tivessem contato com ele. Era muito cedo. Tudo estava indo depressa demais.

Combinaram de se encontrar no apartamento de Guilherme, na Barra, depois que ela deixasse os filhos no apartamento do pai deles. Ela evitou subir para cumprimentar Murilo e seguiu, de táxi, direto para o local onde mais queria estar desde que abraçou com paixão, no aeroporto de Belo Horizonte, o homem que estava se tornando uma presença tão indispensável em sua vida. É isto, ela correu para estar no seu local preferido nas últimas semanas: dentro do calor do seu abraço.

O porteiro a olhou com discrição e interfonou para o apartamento de Guilherme, que parecia estar colado no interfone. “Hummm, que bom, também está ansioso para me rever, afinal de contas quanto tempo estamos longe um do outro? Exatas 17 horas! Tempo demais!”, riu Helena, enquanto subia pelo bem decorado elevador até a cobertura de um dos condomínios que ela mais gostava na Barra da Tijuca, o Golden Green.

Helena já tinha estado naquele condomínio de três prédios em reunião com a assessora de imprensa de um dos jogadores mais famosos do Brasil: Ronaldo Fenômeno. Ele tinha uma cobertura em um dos prédios e estava contratando a agência que Helena trabalhava no Rio para desenvolver uma campanha. Como havia acabado de ser operado, Ronaldo não poderia ir até a agência, o que fez com que Helena se deslocasse até o local. Ela nunca poderia imaginar, no entanto, que o homem por quem estava completamente apaixonada morava no mesmo empreendimento. A sensação de familiaridade era porque ela já havia estado ali ou porque voltar para os braços de Guilherme era como voltar para casa?

Helena estava pensando exatamente isto quando a grande porta da cobertura se abriu e lá estava ele, de shorts branco, sem camisa, com os cabelos totalmente desarrumados e a bochecha vermelha, como se tivesse acabado de participar de uma maratona.

– Que saudade de você! – foi o máximo que ele conseguiu dizer antes que Helena praticamente pulasse em seu colo e o invadisse com um beijo onde as línguas se degladiavam em uma dança urgente e erótica. Mais nenhum palavra foi dita, a não ser sussurros e gemidos, até que cansados, deitaram lado a lado, numa enorme chaise que ocupava uma das iluminadas salas do apartamento do chef.

A vista era bárbara. Para qualquer lado que olhasse ela via demonstrações de beleza, sutileza, bom gosto. Um apartamento enorme, ventilado, iluminado, decorado meticulosamente com móveis de linhas retas, que não mostravam nenhuma ostentação, mas a classe do morador. A vedete da sala era mesmo o verde mar da Barra, que se descortinava robusto nas portas de vidro que separavam a sala da varanda.

A beleza do local demosntrava clara sintonia com a beleza de seu dono. Tudo ali combinava com Guilherme. Ele parecia que lia seus pensamentos:

– Você gostou daqui, né? Pela expressão que está fazendo, fica claro que gostou. Eu também gosto muito, mas acho que falta um toque feminino. A arquiteta que decorou o apartamento foi muito sutil e deixou um ar bem masculino. Eu sabia que estava faltando alguma coisa! Agora descobri! Você!!! Helena, este apartamento ganhou vida depois que você entrou aqui!

Helena não sabia como podia caber em tanta alegria. Este homem era realmente um sonho e fazia com que ela se sentisse amada, se sentisse importante. E ela sempre tinha aquela sensação de familiaridade quando estava nos braços dele.

O fim de semana seguiu com visitas aos restaurantes, passeios na praia, muito namoro e conversas agradáveis. Na verdade o fim de semana voou e não foi possível fazer nem um décimo de tudo o que Guilherme planejou. No domingo à noite, no entanto, se despediram fazendo planos para a próxima semana. Estava acertado: a cada fim de semana um deles iria à cidade na qual o outro morava. A solução não era a que eles queriam, mas era a única possibilidade de manterem o relacionamento à distância.

Helena foi buscar os filhos e os quatro seguiram para o aeroporto. A princípio o clima ficou tenso, já que seus filhos não esperavam que ela chegasse acompanhada. Em poucos instantes, no entanto, a simpatia de Guilherme contagiou Ângelo e Clara e o clima foi ficando ameno, agradável. Até que fossem chamados para embarcar, o papo entre os quatro estava fluindo com muita naturalidade. A despedida do casal foi mais comedida, mas qualquer pessoa que os olhasse saberia o que estava se passando. O romance estava no ar e não precisava de sutilezas para ser reconhecido. Coisas de quem ama.

 

 Capítulo VII – A solidez de um amor maduro

O tempo voava como uma flecha. Helena e Guilherme estavam cada vez mais apaixonados. Encontravam-se todos os fins de semana e durante a semana mergulhavam nos respectivos trabalhos justamente para ver se a hora passava mais rápido e chegava logo a sexta-feira. Conversavam várias vezes ao dia por telefone, mensagens, emails e à noite se viam nas telas do computador. O assunto nunca acabava! A saudade também não. Impressionante, Helena pensava, a afinidade que os dois tinham. Ela sempre se surpreendia com várias “coincidências” que marcavam a história dos dois: o paladar, o gosto pelos esportes, a literatura, as viagens. Tudo entre eles tinha muita sintonia, sem contar que à medida em que foram tendo mais intimidade o sexo foi ficando cada vez melhor. Era como se alguém os tivesse esculpido, o encaixe era perfeito, independente de posições e locais. Eram duas peças que quando unidas mostravam claramente que haviam sido feitas para serem colocadas juntas.

O namoro fluia com leveza e maturidade. Sem cobranças, sem questionamentos, sem grandes expectativas. Apenas a vontade de estarem sempre juntos os movendo. A admiração de um pelo outro era grande e isto os incentivava em outros segmentos da vida. Helena adorava compartilhar com Guilherme os avanços que ela conseguia à frente de algumas campanhas mais difíceis e ele, por sua vez, passou a usá-la como “cobaia” de qualquer nova criação culinária.

Guilherme era o sonho realizado de Helena. Ele a preenchia, a impulsionava a crescer e sabia como fazê-la se sentir uma adolescente. Ele era mestre em fazer cortesias, supresas. Helena se deliciava quando flores invadiam seu escritório sem que estivesse comemorando qualquer data ou conquista. Ela ficava como uma criança à espera da próxima “arte” que ele ia aprontar. A última surpresa, quando esteve no Rio de Janeiro, foi sentar para jantar em um dos restaurantes de Guilherme e ser surpreendida com um prato novo, muito especial. O nome? Helena! Aquela noite foi mágica e foi justamente quando seu namorado, depois de apenas alguns meses, revelou o quanto a amava, o quanto precisava dela e o quanto queria que ficassem juntos sem precisar de ponte aérea.

Para seus filhos a ideia de voltar para o Rio era genial. Embora estivessem adaptados em Belo Horizonte, ainda demonstravam que o coração estava mesmo na capital fluminense, onde o pai morava e onde deixaram seus amigos e sua história. Helena, no entanto, estava muito envolvida com seu trabalho e não pensava em mudar, apesar de se sentir tentada a acordar todos os dias ao lado do grande amor de sua vida.

“É isto! Finalmente tenho um amor de verdade, um amor maduro, que não me faz tomar decisões apressadas, que não me impele a ser leviana, que está introjetado, seguro e que persistirá ainda que não estejamos, neste momento, todos os dias lado a lado”. A sensação de segurança que este amor trazia a faziam mais sensata, mais ponderada e depois de uma longa conversa com seu namorado, Helena decidiu esperar um pouco mais e o convenceu de que estava trilhando o caminho certo. Ele fez aquela carinha de que não gostou, mas seu amor por Helena era tão grande que ele respeitava a vontade da mulher que tanto queria ao seu lado pelo resto da vida.

A ponte aérea, portanto, não saiu do roteiro do casal e as sextas-feiras eram esperadas como criança deseja a chegada do Papai Noel no Natal ou a hora de abrir o presente depois do aniversário.

  Capítulo VIII – Tempestade